Lá vem o alemão

De todas as coisas que eu poderia imaginar para um sábado de manhã, com toda certeza conversar com um alemão sobre um jogo da quinta divisão do Campeonato Paulista era uma das últimas coisas que passaria pela minha cabeça.

Essa história aconteceu no último sábado, dia 19/07/2025, no estádio municipal de Mauá Pedro Benedetti. O Mauá Futebol Clube recebeu a equipe do Batatais, em partida válida pela 4ª rodada da segunda fase da Segunda Divisão do Paulistão. O Índio do ABC vinha de uma longa sequência de partidas sem conseguir ganhar em casa, embora o desempenho fora da casa seja melhor, inclusive tendo vencido o adversário do dia na rodada anterior, no interior de São Paulo.

Contra todos os prognósticos, a partida foi boa, muito disputada. Com o Mauá começando a partida de forma avassaladora, e o goleiro do Batatais aparentemente sem confiança, um verdadeiro bombardeio ao gol da equipe visitante se viu nos primeiros minutos, até que Samuca fez o gol do Mauá, aos 13 minutos do primeiro tempo.

Após o tento, o Mauá recuou, adotou uma proposta defensiva, sempre que possível buscando o contra-ataque, às vezes chutando bolas fáceis para o lado que o nariz apontava. O Batatais, naturalmente, tentou buscar o empate, parando na boa postura defensiva dos locais. O Mauá levava mais perigo nas jogadas individuais pelo lado esquerdo de ataque, criando muitas oportunidades e perdendo muitos gols.

O público no Pedro Benedetti, no entanto, não era muito superior ao que se costuma ver no estádio: em torno de 60 pessoas compareceram ao estádio (o que era muito, considerando o exorbitante valor praticado pela diretoria do Índio de R$ 30 para um jogo de quinta divisão). Entre eles, estava um homem de meia idade, que chegou com duas mochilas grandes, colocou-a em um canto, e saiu tirando fotos do estádio.

Parando pra pensar, realmente me parece raro que alguém deixasse duas mochilas com sabe-se lá o que dentro sem supervisão em uma cidade brasileira, mas eu só percebi que o homem não era brasileiro quando ele voltou para o local onde havia deixado as mochilas no intervalo. Ao comprar amendoim, ele perguntou com um forte sotaque “quanto era”, e ficou claro que falava muito pouco português.

Durante o segundo tempo, a lógica do primeiro permaneceu em campo, com o Mauá demonstrando muita organização tática. Encaixado, o treinador não via necessidade de mexer na equipe, porém pediu para o Isaque se aquecer. Depois de um tempo se aquecendo, Isaque parou de se aquecer, e ficou assistindo o jogo, tal qual todos os demais reservas. Passados alguns minutos, o treinador tornou a pedir: “Ativa o Isaque pra mim.” Contudo, nada de alterações. Na terceira vez que o técnico pediu para o Isaque se aquecer, uma dupla de torcedores entrou em ação.

“O cara tá cansado de tanto aquecer já, professor.”

Não demorou muito e Isaque estava em campo, tendo como sua primeira participação um choque de cabeça que paralisou o jogo por alguns minutos.

O Mauá estava muito bem também no quesito cera, a propósito. Devido ao sol, o goleiro conseguiu perder dois minutos colocando um boné, antes de uma cobrança de falta perigosa para o Batatais. O árbitro se mostrou compreensivo com ele, inclusive ajudando-o a colocar o boné. No final do jogo, ele voltaria a fazer cera ao desamarrar o cadarço da chuteira — o árbitro, uma vez mais, foi quem resolveu o problema para o goleiro, impedindo que ele precisasse tirar as luvas.

Mas antes disso, em uma bola dividida, Samuca caiu no chão e não levantou. A bola ficaria limpa para o lateral do Batatais sair jogando, desde que ele a alcançasse antes que ela saísse pela linha de lado, o que não aconteceu. Antes da bola sair, no entanto, o técnico do Mauá já berrava com o jogador.

“Levanta, Samuel, não fica caído não.”

“Ele tá morto já, professor, e você não mexe no time”, devolveu o torcedor.

Eu desviei minha atenção completamente do que acontecia no banco de reservas, porque aparentemente o problema com Samuca era sério — acabou deixando o campo com dores no braço. Por isso, não prestei atenção na resposta do treinador, mas posso imaginar qual tenha sido, após os torcedores enfurecidos devolverem:

“E eu sou torcedor! Eu sou torcedor!”

“Então torce aí, torce aí, para de reclamar”, retrucou o treinador.

A discussão seguiu-se por algum tempo, até que o preparador físico, que aquecia os reservas ao lado do banco, pediu para os torcedores “darem uma segurada”. O goleiro reserva, olhando para a torcida, fez um gesto de desculpas e a vida seguiu para ambos os lados.

Durante o segundo tempo, eu escutava o homem falando ao telefone com alguém em um idioma que não conseguia identificar, mas parecia alemão ou russo. Mas quando a partida acabou, ele veio falar comigo.

“Qual o resultado final?”, indagou ele diante da efusiva comemoração dos atletas do Mauá. Ele, de fato, havia chegado depois do gol.

“1 a 0”, respondi.

“Quanto?”

“1×0.”

“0x0?”

Fiz com os dedos: 1×0. Ele por fim entendeu.

Depois, escreveu no Google Tradutor a pergunta. “Cheguei um pouco atrasado e não vi o gol. Você sabe em que minuto foi?”

Foi mais fácil mostrar o vídeo da transmissão. Ele entendeu que foi aos 13 minutos, nos despedimos e eu me encaminhei para a saída do estádio. Foi quando fui abordado por um delegado da federação paulista, acompanhado de alguns policiais, que me perguntou se eu não havia jogado o Mundial de Clubes (uma brincadeira com o cabelo parecido ao do Cucurella).

Aí estava um sábado bastante incomum de Bezinha.

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